terça-feira, 15 de novembro de 2011

VIDA

Renate,
presa em uma penitenciária feminina no Brasil quer compartilhar conosco essas palavras pessoais:

Vida significa, superar obstáculos e, quando necessário, derrubar muros construídos por nós mesmos.Vida significa, sentir alegria no coração e transmiti-la na forma de amor, para sermos felizes através da felicidade do outro.
Vida significa, descobrir a beleza do mundo, se integrar em sua evolução harmônica, conservá-lo e utilizar a sua força respeitosamente.Vida significa, fazer o bem em seu caminho, pois tudo que semeamos tem como consequência aquilo que iremos colher amanhã.
Vida significa, moldar a sua personalidade, aprender com seus erros, ter experiências para encontrar o verdadeiro caminho e nele permanecer. Vida significa, ser um amigo verdadeiro, oferecer confiança e honestidade e sempre manter a sua palavra.
A vida é um prazer quando se sabe aproveitar o momento.
A vida é bela quando se aprende a ver a sua beleza.

Renate Zeh

terça-feira, 7 de junho de 2011

“... e aqui algo mais que me faz pensar”

Carta recebida da Prisão Feminina do Carandiru, São Paulo
 

O homem vive do espírito
e não do corpo.
Quando ele toma consciência disso
e transporta a sua vida para a alma e não para o corpo,
aí, então, vocês poderão acorrenta-lo atrás de grades de ferro:
ele sempre será livre.
(Leo Tolstoi)

Sobre Tolstoi “Espírito ou corpo – corpo ou espírito?”

Porque eu fiz isto? Porque vim parar aqui? Pergunta idiota!? Espírito ou corpo? Dinheiro fácil! Resposta idiota, ou não tão idiota!? Se eu pelo menos tivesse escutado minha voz interna, não estaria aqui. Ela me disse para eu não fazer, que não ia dar certo. Foi o meu espírito ou o meu corpo, ou ambos, que falaram comigo? E eu, então, decidi pela barriga. Espírito ou corpo? Bem, agora estou aqui, presa! 

Em mim desabrochou uma flor!

No caminho para o trabalho vejo plantas maravilhosas, não plantadas pela mão humana, com flores lilás reluzentes. Não. Elas vieram com o vento ou no bico de algum pássaro, crescem para cima dos muros do presídio e em todos os lugares. Olho para elas e esqueço por alguns minutos os muros que me prendem, que me fazem prisioneira. Os meus muros internos que me prendem com necessidades corporais como o ciúme, a inveja, o ódio, o desejo de apropriação, preconceitos, etc... Mas estes sentimentos não começam no espírito? Corpo ou espírito?

Quando olho para as flores esqueço por alguns minutos os muros. Sinto em mim a força, a paz. Sinto em mim a beleza no espírito e no corpo. Sinto a força do espírito, do Espírito Santo que me penetra e a mim se manifesta. Que está em mim e em todos os homens. E eu me sinto livre atrás das grades. Por minutos esqueço o quanto de saudades eu sinto da minha família, dos meus amigos, que não querem mais ter contato comigo porque menti para eles. Porque eles não conseguem compreender como é que eu fui fazer isso. Me dói na alma não poder abraça-los! Alma? Imortalidade! Espírito ou corpo? Vou vê-los novamente. Sou forte. O espírito em meu corpo é forte. O Espírito Santo em mim me torna forte. Saber disso e crer nisso me torna livre, livre atrás das grades. E a fé move montanhas. E também a mim!!!!

Autora: Gabriele
PS: Me interessaria saber o que outras pessoas pensam sobre isso. Me escrevam, por favor. Obrigada.


Sob o símbolo do arco-íris – Um comentário “interno”

“O deserto –
um arbusto
uma sarça
que arde –
Incandescente – Paixão!
“Eu queimei por ti”

“Aquilo que arde em mim,
não me destruirá.
Ira incandescente
ou paixão em chamas
ou culpa que queima.
Deus, Tu estás aqui.
Aqui é um lugar sagrado. Agora.
Porque Tu estás entre nós.”

Carta de Torsten
“Conforme prometido, pensei um pouco sobre o texto bíblico do livro de Êxodo, capítulo 3, versículos de 1 a 12. (Nota do redator: Velho Testamento, vide texto abaixo). Para mim, o texto contém a seguinte mensagem:

“Uma aliança com Deus”

A aliança entre Deus e o homem é diferente da aliança entre seres terrenos, na qual ambos os parceiros têm os mesmos direitos. Na aliança com Deus, é sempre Ele que dá o tom, Ele escolhe os seus parceiros para que estes coloquem em prática e anunciem as suas bênçãos. Através de pequenos milagres Deus dá aos seus parceiros a fé e a força para a realização de suas obrigações desta aliança.
O sentido da aliança está na cumplicidade entre Deus e o homem. A aliança com Deus é uma aliança de amor; não pode haver amor sem reciprocidade. Deus promete seu apoio enquanto houver fidelidade na aliança. Este apoio de Deus dá a mim, pessoalmente, a esperança e a força para superar situações difíceis atuais e futuras.
Além disso, somos lembrados praticamente todos os dias através de um arco-íris no céu da nossa aliança com Deus. Eu creio nisso, assim como eu creio no amor.
Com carinho,Torsten

 Text: Exodus 3: 1-12

Um dia em que Moisés levava a pastar os rebanhos de Jetro seu sogro, sacerdote de Midiã, nos confins do deserto perto de Horebe, o monte de Deus, apareceu-lhe o anjo do Senhor numa chama de fogo dentro de uma sarça. Moisés reparou no fogo e verificou que o fogo não consumia a sarça. Aproximou-se para ver o que era e Deus chamou-o:
“Moisés! Moisés!""Pronto! Aqui estou!"   "Não te aproximes. Tira os sapatos, porque estás a pisar uma terra sagrada. Eu sou o Deus dos teus antepassados, o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacob."Moisés escondeu o rosto nas mãos, porque teve receio de olhar para Deus! O Senhor continuou: "Tenho visto a aflição do meu povo no Egipto, e tenho ouvido os seus clamores sob a opressão dos que os tiranizam. Por isso venho livrá-los dos egípcios e tirá-los dali para uma belíssima e vasta terra, uma terra em que jorram o leite e o mel, onde habitam os cananeus, os heteus, os amorreus, os perizeus, os heveus e os jebuseus.
Sim, o choro do povo de Israel tem subido ao céu até mim, e tenho visto as duras condições de vida com que os egípcios os oprimem. Assim vou enviar-te a Faraó para que lhe peças que te deixe levar o meu povo para fora do Egipto."  "Mas eu não sou a pessoa indicada para tal!", exclamou Moisés. Deus insistiu: "Eu estarei seguramente contigo. E a prova de que sou eu próprio quem te envia será o seguinte: Quando tiveres levado o meu povo para fora do Egipto havereis de adorar Deus aqui mesmo, nesta montanha."

PS: O culto deveria ser celebrado sob o símbolo de um arco-íris.

“Conheço lugares especiais.
Peregrino de um lugar para outro.
Minha cidade natal.
Meu local de aprendizado, minha escola.
Cume em terreno montanhoso
São Paulo – Alemanha – São Paulo
Estão ligados à minha vida de maneira especial...
Localidades de natureza especial.
E, por fim, a paixão de Deus por mim?
Amor que não vacila, um porto seguro para mim?”

Perguntas em aberto de uma “Peregrina”
Inge


Textos pelos presos e presas da penitenciária Itaí, e pelos membros da Igreja da Paz durante um culto em Santo Amaro / Sao Paulo no dia 13/02/2011. Todos os textos (exeto o texto da bíblia) traduzidos do alemão por Bia Hennig
http://luteranos.com.br/santoamaro/

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Conta teu conto …

A SACOLA


Fiquei sempre escondida, pois meu genitor estava em prisão.


Ele tinha entrado lá quando ainda era muito jovem, cheio de energia, e a única forma que tinha para preencher o tempo era me fazer. Assim eu fui surgindo, cada dia um pouco mais. Ele usou muitos retalhos, alguns deixados por outros detentos. Assim eu tinha varias cores e texturas, mais principalmente eu tinha as vivências de quem me fez; quando ele sentia opressão, meu ponto era mais apertado, quando ele foi se liberando dessa opressão meu ponto era mais folgado e leve, e eu podia respirar em fim. Cada dia, cada ano colocava um botão, um bordado, um pedaço de papelão escrito, todo era possível. Ele e eu éramos quase uma coisa só.


Quando ele cumpriu pena, saiu, e eu fui com ele. Foi a primeira vez que vi a luz do sol.


Nunca imaginei que isso ia acontecer um dia. Até esse momento eu sempre me senti querida, eu era seu objeto mais precioso, dentro daquele lugar. Mais quando ficou livre, ele começou a ter outros muitos objetos e eu, logo foi abandonada. Assim eu senti por primeira vez a solidão.


Mas minha vida continuou. Logo fui encontrada por um velho pescador e ele me usava para guardar todos os apetrechos de pesca. Em sua casa ele me pendurava no gancho da sala ao lado da lareira, um lugar bem gostoso e quentinho. Ele acostumava ao entardecer se sentar lá para contar historias a seus netinhos.


Eu, que tinha já escutado tantas historias, quando estava lá na cela aonde nasci!! As historias de vida dos condenados me preencheram tudo esse tempo, agora as historias de fadas me aconchegavam....


Ao amanhecer, João, meu novo dono me pegava e ia comigo a jogar as redes, no vasto mar sem fim. Neste momento se me permitia de novo ver a luz do sol, e eu tinha de novo, o gosto de liberdade que foi sempre meu anseio.

amparo
Conta teu conto aqui se quiser
Convidamos a contar teu conto

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Duas Sexta-feira Santa


Hoje, Sexta-feira Santa. Osasco em Sao Paulo. Centro de detenção para 2.000 homens jovens de 18 anos para cima


Um deles é o Bruno. No pátio, lotado, 400 - e a maioria deles ainda não foi condenada. Eles  esperam por sua cruz. Ele, Bruno, já  sabe que  tem  "sete anos". Nós estamos em um círculo, de pé, com  os braços estendidos,  tocando as mãos, nos olhando, encontrando uns aos outros com uma silenciosa concentração. Alguém, e depois todos, elevamos o "Pai nosso  que está no céu ... livrai-nos do mal ..." e imediatamente depois o 'Ave Maria .. ' 13 homens jovens, a maioria estando só 14 dias ou quatro semanas aqui - oram em voz muito alta,  todos juntos. Bruno e todos na volta, 
o mesmo altar em um novo ambiente? Uma catedral, no lugar de sofrimento e da incerteza? Uma, com 12  outra com 2000 – mas não estão sozinhos. 


Um outro em Osasco - nós não sabemos o seu nome. Deus sabe o seu nome. Ele não fala. Não  com a gente, nós que devemos passar por sua gaiola duas vezes hoje naquele mesmo dia. Um cubo de grades grossas pintadas de amarelo brilhante. Um cubo de 3x3x3 m. Duas portas de aço o fecham ... do mundo exterior.  
Oito horas, o guarda passa  lá dia a dia, semanas e anos. Ele é livre para dar três passos en qualquer direcao,  sempre que ele quer. Seus próprios passos e o barulho da enorme chave de ferro na fechadura  são os únicos sons que chegam a seus ouvidos, e, desta vez, também o nosso "Boa Tarde”. Sua boca é silenciosa, o rosto fica  imóvel, quando  nós o saudamos. Um em Osasco – sem ser preso,  mas em 'prisao'. Quem conversa com ele, "Pai Nosso... livrai-nos”? Um - preso  em Osasco, São Paulo.
(WL).

domingo, 17 de abril de 2011

a pedra se foi

  
Grave com pedra no Megido - Foto: Alexander Schick



             "Uma pedra caiu do meu coração." Alívio. Novas possibilidades se abrem. A partir da prisão de "impossibilidades". As paredes de pedra alta  e as grades que limitam a minha visão, e mantêm longe os seus pensamentos  para mim, e que não podem parar a nossa esperança comum, são quebradas enfim! Eu tive que esperar muito tempo, demasiado para suportar a solidão, ideias escuras - até que a mensagem chegou a mim como a mensagem de um anjo: "Você pode ir. Você está livre. As pedras se foram."

             É a mensagem sobre "eu" estou esperando em Itai, em Avaré, no Carandiru, e outros 
 locais em que petrificam pensamentos e sentimentos facilmente - mesmo sem paredes, sem caracteres de cimento como alguns companheiros e cinco centímetros de grossas portas de  ferro! O buraco negro da tristeza vem, secretamente, mesmo para onde eu dirijo o meu pensamento. Mas um pensamento está dentro de mim, mais do que qualquer abísmo dentre todos que poderiam ser: "Vá ​​você pode sair. Você está livre." Não vou desistir da minha esperanca. Nunca.

             O que eu vou sentir,  para onde me virarei, quando se abrir suficientemente 
 a gaiola e os portais altos. Eu vou de cabeça erguida! Como, aliás, o Jesus, vida,  sofrimento e companheiro, sentiu-se, como ele reagiu quando de repente  notou um brilho de luz no seu buraco negro do declínio total, o "nao aguentar" e do desespero? Ele se levantou, foi até a coluna de luz e tem a "pedra-buraco-grave empurrado, que o manteve preso.

             Os guardas no buraco da minha própria sombra imensa, da minha 
 culpa e minha solidão, o não perdão dos críticos, os juízes, cegos por minha esperança e minha confiança têm que me deixar passar . Ele está presente  -  que absolve. Páscoa vem a mim. A pedra se foi. "Eu estou aqui fora." (Ver também Mateus 28,1 ss)
Autior: Wolf

no caminho


“No caminho para o trabalho, vejo sempre uma linda flor de um lilás brilhante, que não foi  plantada pela mão  homem.  Não, ela vem trazida pelo vento ou os   pássaros,  e sobe os muros da prisão e quase cobre eles, e  quando olho para lá por minutos esqueço dos muros, que me mantém presa, e esqueço  também aqueles que me mantém presa internamente.” 
 
Isto é parte de um texto escrito por Gabriele, para o blog do pastor Wolfgang Lauer.  Ela esta presa em Carandiru.  Impressionou-me por sua beleza e profundidade e  me inspirou para reflexionar também sobre minha experiência em prisões, aonde desde faz um ano e meio dou  dramaterapia para um grupo de mulheres brasileiras. Aqui vai um poema.

Ha flores que crescem através dos muros
Ha flores que desabrocham a pesar dos muros
Carandiru Mulheres
No encontro, um abraço
No movimento um contacto
Na fala uma esperança
Vidas ceifadas
Vidas sofridas, desde sempre
Vidas para ainda ser vividas
Culpa, arrependimento, tristeza, saudade, solidão
Mas em cada encontro, uma flor desabrocha, uma flor se atreve a se desafiar, e apesar de tudo cresce!
Para esta flor...    
               ... A vida vale a pena....
Amparo del Moral
Sessões de dramaterapia


 
 Amparo del Moral
Sessões de dramaterapia     
     

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Próxima reunião do grupo 'Carcerária'



 Amigas e amigos!
boas-vindas a todos para nossa próxima reunião em quarta-feira, 02/03/11 como de costume às 19.30 horas na igreja, CASA PRAXIS. Queremos olhar para os últimos desenvolvimentos, considerar estratégias financeiras, enossas necessidades de serviços profissionais voluntários de um escriturário / contador, de médicos, de um
advogado penal, e de psicoterapeutas
.
Estou ansioso de ver vocês em 02 de março.

Abracos fortes
Wolf

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

“Uma grande oportunidade”

 .
 
Entre março e dezembro de 2010, estivemos, Amparo e eu, 21 vezes na Penitenciária Feminina do Carandirú em São Paulo, realizando sessões de Dramaterapia. Nestes encontros, a princípio semanais e depois quinzenais, exercícios corporais, jogos dramáticos e contos, mediaram as relações entre as 2 terapeutas e 12 mulheres detentas, em média.

As participantes de grupo eram pessoas que não conseguiam aprovação no exame criminilógico, e a consequente passagem para o regime semi-aberto. Em sua maioria estavam lá, há mais de 5 anos e carregavam o estigma de terem cometido um crime grave.

Em nosso 1º encontro quando a assistente social perguntou ao grupo, sob que base aquele grupo estava sendo formado, uma delas respondeu: "Nós esperamos uma oportunidade". Nesse momento compreendi que nós, as terapeutas, também esperávamos uma oportunidade.

Na verdade uma grande oportunidade de:

- Olhar para aquelas mulheres e ver além do erro cometido;

- Perceber que assim como todos nós que vivemos nesta época,elas se confrontaram com o mal, e na medida do possível para cada uma, fazem disso um trampolim para se desenvolverem.

- Reconhecer que a solidão é a passagem pelo buraco da agulha para que se chegue em alguma transformação.

- Que o afastamento da família, da casa, da terra, do país, é um fator de profundo desenraizamento e provoca um adoecimento social muito grave.

Parece que o sistema penitenciário atual, nada mais é do que um reflexo de um macro sistema social / economico que privilegia a desigualdade, a não fraternidade,e não recupera ninguém.

Acredito que o que cura, o que pode salvar, são as milhares de pequenas ações sustentadas pelos encontros humanos genuínos.

O que resultou destes encontros? Todas fomos tocadas, afetadas pela humanidade uma das outras.

Angela