quinta-feira, 8 de julho de 2010

peregrino

“Tira os sapatos dos teus pés,
porque o lugar em que estás é terra santa”  (Êxodo 3,5)

Ali ele está sentado, diretamente do lado do caminho, encostado em uma coluna de pedra. Ele tirou as sandálias. Os seus pés tocam a “terra santa”. Como se ele quisesse descansar, tomar um tempo. O olhar está dirigido para o longe, para os muros cinza de um hospital penitenciário para mulheres e homens, não muito distante da estação de metrô Carandirú, no norte da cidade de São Paulo. Três pessoas estão no caminho, que leva a um céu azul com pesadas nuvens brancas. É como se o azul e o branco acinzentado estivessem tocando o rosto do peregrino, que permanece invisível. Será que o céu e as nuvens estão refletindo as suas esperanças e angústias?



857 mulheres, detentas brasileiras e estrangeiras - entre elas oito alemãs – na Penitenciária Feminina da Capital, na Avenida Zaki Narchi, 1369, estão separadas por somente cem metros deste quadro. Seus pés não conhecem o contato com a terra quente. Elas dormem no chão de cimento, sobem e descem escadas de pedra, olham para grades, que as mantêm aqui. Se pudessem olhar por cima dos altos muros protegidos, elas poderiam ver exatamente esta cena: todo dia, toda noite um peregrino permanece neste lugar especial, nos degraus de pedra de uma cruz. Ele já há anos, como se algo o segurasse aqui – algo incomum, único. O “sagrado” parece não soltá-lo.

Peregrinos são seres versáteis: ‘Às vezes em caminhos estranhos’, ‘às vezes na procura de si mesmos’, ‘às vezes focados em um objetivo estabelecido’. Deter-se e olhar para frente é parte de sua natureza. Como faz parte da natureza das mulheres na Penitenciária do Carandiru: peregrinas em seu caminho totalmente pessoal, cada um deles sem igual. Também elas – pessoas em ‘lugar santo’. Como o local no deserto, no qual o ‘Santo’ apareceu ao peregrino Moisés e o convocou a conduzir os homens para fora de seu cativeiro, do lugar de desamparo e domínio para um futuro novo e bom.

Moisés procurou o faraó. Ao final o convenceu a deixar os prisioneiros seguirem o seu caminho. Mas os detentos não confiaram na liberdade. Eles tinham se adaptado à impotência, a suportar as circunstâncias. Eles aprenderam a amar a dependência, o habitual. A comodidade das disposições alheias os dominava.


“Tira os sapatos dos teus pés, porque o lugar em que estás é terra santa”. A presença e a dedicação de Deus não abandona o lugar da impotência, da solidão, da violência e da lei impiedosa. O amor, o perdão e a soberania de Deus, a sua “Santidade”, se dirigem aos homens nestes lugares. Como se Ele quisesse dizer: Eu não posso agir de outro modo; eu não posso e não quero me renegar. Eu tenho que continuar sendo Eu mesmo. Vocês estão no meu coração. Estou entre vocês.”

Ele exorta para parar. Ele, sendo Ele próprio um “peregrino”, chama para o caminho – o caminho da liberdade, da disposição para correr riscos e da nova abertura para a própria vida.
(texto original:pastorwolf, tradução: Elvira Julia Rieckmann)

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