Na prisão o “Tempo da Paixão” está sempre presente. É o sentido de sua invenção/instituição e de sua celebração pela sociedade humana. “Todos querem sair daquí” – é o tema principal em todas as conversas. Também na cadeia superlotada do Carandirú reina a solidão íntima entre as 900 mulheres alí confinadas. Pouco antes da Páscoa eu queria alí cantar hinos pascais, com alguns coralistas da nossa comunidade, para as sete alemãs lá detidas. Queríamos levar esperança para novos inícios e a afirmação de que não estão esquecidas. No entanto, nas regras e na burocracia a Páscoa não existe. Não está prevista. Igrejas não registradas nos órgãos prisionais oficiais não podem exercer atividades nos presídios. Mas a PÁSCOA não tinha esquecido as mulheres. Por ocasião duma visita rotineira, alguns dias antes do Dia das Mães, uma representante da diretoria do presídio, uma equipe de mulheres, pede uma conversa. “Vocês podem cantar para todas as mulheres presas (mais de 800), por 15 minutos em cada um dos blocos? 14 cantores são permitidos”. É claro que podemos! A primeira reação dos coralistas foi mista, mas a reserva inicial transformou-se em seguida num espontâneo “Sim, eu participo”! Todos queriam, mas só 14 estavam autorizados. O medo do desconhecido (as cadeias no Brasil não têm boa fama), dos detentos e a insegurança em conseguir superar tudo isso finalmente dá lugar à curiosidade do amor ao próximo.
Pouco a pouco onze jovens mães, com seus filhos recém-nascidos nos braços, tomam assento sobre dois bancos compridos, ao longo das paredes brancas dum quarto, enquanto nós começamos a entoar baixinho uma de nossas canções. Estamos na clínica da cadeia. Começam breves conversas, abraços, contatos. Uma mulher vem da Bolívia, outra da África do Sul, todas as demais são brasileiras. Segurando firmemente os filhos em seus braços, todas sabem que em seis meses terão que separar-se deles. Canções populares e hinos religiosos se alternam. Para cada uma das 800 pessoas trouxemos uma folha com os textos das melodias. Também o dum cântigo zulú - “Woza Moya oyiNgcwele” (Vem, Espírito Santo). As mulheres acompanham os cantos. Ou elas choravam, assim como alguns componentes do coro – hoje, aliás, com maior número de homens. A sul-africana se levanta, com a criança nos braços, e entoa como solista uma canção que ela conhece, em zulú. Mais emoção no ambiente. A despedida não é fácil.
A nossa acompanhante da diretoria, mantém-se afastada, remove todos os obstáculos administrativos e, obedecendo à sua ordem, as chaves de ferro das portas são viradas. Estamos num dos espaços habitacionais das prisioneiras. Ficamos no andar térreo, acima estão as celas. É o Dia das Mães. Famílias com crianças visitam as mães, irmãs, esposas. As estrangeiras não recebem visitas familiares. Hoje nós somos a única variação em seu dia-a-dia. Todas cantam conosco, algumas com fôrça, outras menos. Sempre de novo convidamos as guardas diante das grades a se juntarem ao nosso canto.
Eu não as ouví cantar, mas elas agradecem pela visita.
No último bloco moram apenas estrangeiras (300). Dentre elas cinco alemãs, número esse que agora aumentou para oito. A alegria prorrompe, de parte de algumas até exageradamente, quando cantamos. Algumas africanas dançam. Eu pronuncio algumas palavras em inglês: “Agora vocês estão aquí, presas. Virá o tempo quando estarão livres, não se esqueçam disso. Também as peregrinas às vezes têm que descansar, sentar-se, meditar e depois seguir adiante. Agora vocês estão confinadas nesse espaço, mas não para ficarem presas por toda a vida. Para prepará-las para a liberdade, porisso vocês estão aqui. E o tempo certamente virá!” – Algumas frases eu pronuncio espontaneamente em zulú. Alguns típicos gritos de júbilo ressoam involuntariamente em zulu. Cinco alemãs moram nesse bloco. Duas participantes de nosso coro mantêm correspondência com mulheres alemãs. Elas se encontram pela primeira vez – mais lágrimas, mais abraços. Cria-se um novo contato por correspondência. Agradecimentos a nossa acompanhante. No pequeno ônibus regressamos a Santo Amaro. Os pensamentos sobre o Dia das Mães no presídio feminino do Carandirú misturam-se com os que se voltam para as próprias famílias, que já esperam, saudosas, por seus maridos..
texto: pastorwolf / tradução: Horst Graetz
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